Os efeitos jurídicos decorrentes da interpretação da norma.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA: POSSIBILIDADE?


A execução provisória está regulamentada pelo Código de Processo Civil no Artigo 475-O. Diz-se provisória porque o título que fundamenta a execução (judicial ou extrajudicial), está sujeito a ser desfeito, em razão de ainda haver discussão judicial a seu respeito.
Característica marcante da execução provisória é o fato de que “o levantamento de depósito em dinheiro e a prática de atos que importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar grave dano ao executado dependem de caução suficiente e idônea, arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos” (Art. 475-O, III).
Há dois conceitos de execução provisória, que podem ser extraídos do diploma processualista, caso se trate execução de título judicial ou execução de título extrajudicial.

1. Execução Provisória de Título Judicial.
Primeiramente, temos o Art. 475-I, § 1º, CPC:
§ 1o É definitiva a execução da sentença transitada em julgado e provisória quando se tratar de sentença impugnada mediante recurso ao qual não foi atribuído efeito suspensivo. (Incluído pela Lei nº 11.232, de 2005).
Percebe-se que a execução de título judicial será provisória quando ainda pendente recurso interposto contra a decisão prolatada. A execução é provisória porque ainda há possibilidade da sentença vir a ser “derrubada”, caso provido o recurso contra ela interposto.
Assim, por exemplo, prolatada uma sentença em um processo de conhecimento e interposta uma apelação pela parte que sucumbiu, apelação essa não dotada de efeito suspensivo, pode o vencedor na demanda proceder à execução do julgado, mas essa execução será provisória, com as regras do Artigo 475-O do CPC.
A principal característica dessa execução provisória de título judicial é a ausência de trânsito em julgado da decisão exequenda. Isso porque, se ela transitou em julgado, a execução será definitiva.
Por outro lado, não caberá execução se contra a decisão foi interposto um recurso com efeito suspensivo, pois, se foi atribuído efeito suspensivo ao recurso, nenhum efeito produzirá o julgado, pelo menos até o julgamento da impugnação.

2. Execução Provisória de Título Extrajudicial.
A execução fundada em título extrajudicial, em princípio, é definitiva. Toda execução de título extrajudicial começa definitiva. Tal assertiva é de simples entendimento, pois não há como se imaginar que um título extrajudicial seja provisório.
Todavia, segundo o Artigo 587 do Código de Processo Civil, com redação alterada no ano de 2006 pela Lei nº 11382/2006, há possibilidade de se falar em execução provisória de título executivo extrajudicial quando ainda em trâmite sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo:
Art. 587. É definitiva a execução fundada em título extrajudicial; é provisória enquanto pendente apelação da sentença de improcedência dos embargos do executado, quando recebidos com efeito suspensivo (art. 739). (Redação dada pela Lei nº 11.382, de 2006).
Em apertada síntese, para ser provisória a execução de título extrajudicial deve preencher os seguintes requisitos: (1) O executado tem que ingressar com embargos à execução; (2) O juiz vai ter que conceder efeito suspensivo aos embargos (não é mais ope legis: é ope judicis: depende do reconhecimento de requisitos que serão analisados pelo juiz – não é todo embargos à execução que tem efeito suspensivo – requisitos do Artigo 739-A, § 1º, CPC); (3) Que nos embargos seja proferida uma sentença de improcedência: o embargante perdeu os embargos. (4) Apelação do embargante-executado contra essa sentença. Durante o trâmite dessa apelação a execução seguirá de forma provisória.
Cabe ressaltar que parte da doutrina critica essa hipótese de execução de título extrajudicial, pois que estaria dando tratamento desfavorável ao exequente que tem maiores motivos para receber tratamento favorável.
Isso porque, em uma execução que era definitiva e passou a ser provisória, o exequente tem a seu favor o título executivo e a sentença de improcedência dos embargos: e o executado, por outro lado, tem a seu favor apenas as suas alegações recursais da apelação. Essa apelação pode ser provida, mas o exequente tem, segundo a doutrina, muito mais motivos para ser tutelado do que o executado.
Todavia, não cabe aqui entrar nessa seara, já que o objetivo do trabalho é analisar a possibilidade de execução provisória contra a Fazenda Pública.

3. Execução provisória contra a Fazenda Pública.
3.1. No tocante às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisa, a execução contra a Fazenda Pública não tem qualquer especialidade. Executa a Fazenda nessas obrigações como se executa qualquer devedor. A execução provisória vai ser comum: executa provisoriamente a Fazenda nessas obrigações do mesmo jeito que executa provisoriamente o particular.

3.2. Já no que se refere às obrigações de pagar quantia há algumas especialidades: tem o problema da impenhorabilidade e inalienabilidade dos bens públicos; o Artigo 100 da CF prevê, no § 1º, o sistema da execução por precatórios; e no § 3º o sistema da execução pelo Requisição de Pequeno Valor – RPV:
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
Significa dizer que para expedir o precatório precisa do trânsito em julgado. O mesmo ocorre com o RPV. Se as duas formas de execução de pagar quantia contra a Fazenda Pública exigem o trânsito em julgado, teremos sempre uma execução definitiva. Antes disso não tem meios para executar a Fazenda. Constitucionalmente a obrigação de pagar a Fazenda depende do trânsito em julgado. Também não cabe execução provisória durante o trâmite do reexame necessário, pois o reexame necessário suspende os efeitos da sentença.
Foi a partir da edição da EC 30/2000 que não mais se afigura possível a execução provisória contra a Fazenda Pública. A razão dessa regra está na circunstância de que, uma vez inscrito o correlato precatório, o crédito passa a integrar o orçamento respectivo, devendo ter um única destinação, qual seja, o efetivo pagamento à parte favorecida.
Daí a EC 30 exigir o prévio trânsito em julgado, com vistas, inclusive, a resguardar o interesse público no pagamento de verbas orçamentárias, evitando-se o desvio despropositado de destinações mais úteis e vantajosas à consecução de finalidades igualmente públicas.
Em outras palavras, não atende o interesse público a destinação de verba para pagamento de precatório inscrito provisoriamente, tornando indisponível um valor que poderia ter outra destinação, já que é incerto que realmente será pago ao credor, em vista da possível modificação do status quo, decorrente de eventual provimento de algum recurso interposto ou, até mesmo, de modificação da sentença no reexame necessário.”
É o teor do § 5º do Art. 100, CF:
§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
A Lei de Responsabilidade Fiscal impõe severas penas ao ente público que não concretizar o dispêndio da quantia inscrita – Art. 30, § 7º:
§ 7o Os precatórios judiciais não pagos durante a execução do orçamento em que houverem sido incluídos integram a dívida consolidada, para fins de aplicação dos limites.
Inscrito o crédito, deverá ser efetuado o pagamento correspondente, sob pena de ensejar ao ente federativo, que ultrapasse os limites fixados para a dívida, sérias restrições, a exemplo da proibição de operações de crédito, com limitações de empenho. Em havendo pagamento, não raras são as hipóteses de irreversibilidade do levantamento do dinheiro pelo particular, sobrevindo acórdão que anule ou reforme a sentença provisoriamente executada.
É exatamente por isso que não se possibilita a inscrição provisória do crédito constituído contra a Fazenda Pública. Na verdade, são aspectos materiais – de Direito Público – que impedem a inscrição, não vindo a pelo cogitar-se da incidência das regras encartadas no diploma processual civil. Até porque, segundo a tendência moderna do processo civil, se deve considerar sua aplicação como um instrumento de realização do direito material, utilizando-se de tutelas diferenciadas, a depender do direito material aplicado. E, como as regras do direito material impedem a inscrição provisória, não há como se falar em execução provisória na espécie, muito embora haja sua previsão no CPC.”
O STJ assim já decidiu:
STJ AGRMC 618: PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. EFEITOS SOBRE A EXECUÇÃO. PROVISORIEDADE. EXPEDIÇÃO DE PRECATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. A execução de decisão pendente de julgamento do recurso especial é provisória, o que impossibilita a expedição de precatório, seja originário ou complementar. Precatório é ordem de pagamento de verba pública, cuja emissão só é possível se o débito for líquido e certo, circunstâncias inexistentes enquanto não se concretizou o trânsito em julgado da decisão. Agravo regimental improvido. (AgRg na MC 618/SP, Rel. MIN. PEÇANHA MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/11/1998, DJ 28/06/1999, p. 74).
STJ RESP 447406: PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO DE SENTENÇA - FAZENDA PÚBLICA - ARTS. 730 E 731 DO CPC - ART. 100 § 1º DA CF/88 COM A REDAÇÃO DADA PELA EC 30/00. 1. A EC 30/00, ao inserir no § 1º do art. 100 da CF/88 a obrigação de só ser inserido no orçamento o pagamento de débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, extinguiu a possibilidade de execução provisória. 2. Releitura dos arts. 730 e 731 do CPC, para não se admitir, contra a Fazenda Pública, execução provisória. 3. Recurso especial conhecido e provido.
Também não há que se falar em execução provisória nas hipóteses de dispensa do precatório, previstas no Art. 100, § 3º, da CF, pois nessas hipóteses o que há é apenas dispensa de expedição do precatório e não do trânsito em julgado da decisão. Daí que a execução das obrigações definidas em lei como de pequeno valor também depende do prévio trânsito em julgado da decisão condenatória.
Todavia, doutrinadores trabalham com a possibilidade de se ajuizar uma execução provisória contra a Fazenda Pública, procedendo-se com a liquidação da sentença e citação do ente público para que ofereça embargos. Mas encerrado o procedimento da execução, deve-se aguardar a finalização dos embargos, já que só a partir do trânsito em julgado é que poderá haver a expedição de precatório.
Por essa razão é que alguns autores admitem a possibilidade de execução provisória contra a Fazenda Pública apenas no que se refere ao processamento da demanda executiva. A expedição do precatório é que ficaria dependendo do trânsito em julgado da sentença proferida no processo de conhecimento. A finalidade da execução provisória, aqui, seria tão somente a de adiantar o processamento da execução contra a Fazenda Pública, eliminando uma etapa futura.
Parece razoável esse entendimento, se analisarmos sob a ótica da celeridade, razoável duração do processo e razoabilidade, já que se estaria adiantando um procedimento futuro.
Por outro lado, parece que tal entendimento resta indevido sob a análise da possibilidade de provimento do recurso interposto pela Fazenda Pública, o que ocasionaria de todo inútil a atividade jurisdicional realizada. E se estamos a falar de Fazenda Pública como executada, penso que mais razoável seria esperar a consolidação do título para após iniciar o procedimento executivo, pois que o risco de não recebimento é mínimo, em que pese a burocracia dos precatórios. Tem-se também o fato da supremacia do interesse público, inerente à atividade administrativa exercida pela Fazenda Pública. Assim, entendo por não cabível a execução provisória contar a Fazenda Pública, em que pese o STJ já ter decidido de modo contrário.
Caso, porém, a execução provisória tenha sido proposta antes da EC 30/2000, não incide o óbice constitucional, viabilizando-se o seu processamento.
STJ MC 6489: PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. AJUIZAMENTO ANTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 30/2000. POSSIBILIDADE. 1. A Emenda Constitucional n. 30 deu nova redação ao §1º do art. 100 da Constituição para estabelecer, como pressuposto da expedição de precatório ou da requisição do pagamento de débito de pequeno valor de responsabilidade da Fazenda Pública, o trânsito em julgado da respectiva sentença. 2. Há de se entender que, após a Emenda 30, limitou-se o âmbito dos atos executivos, mas não foi inteiramente extinta a execução provisória. Nada impede que se promova, na pendência de recurso com efeito apenas devolutivo, a liquidação da sentença, e que a execução (provisória) seja processada até a fase dos embargos (CPC, art. 730, primeira parte) ficando suspensa, daí em diante, até o trânsito em julgado do título executivo, se os embargos não forem opostos, ou forem rejeitados. 3. Em relação às execuções provisórias iniciadas antes da edição da Emenda 30, não há a exigência do trânsito em julgado como condição para expedição de precatório. Precedentes do STF e do STJ.
Lembrando que essas considerações aplicam-se somente à execução por quantia certa proposta contra a Fazenda Pública, porquanto é nesse tipo de execução que se adota a sistemática do precatório. Em se tratando de outro tipo de execução que não seja destinado ao pagamento de quantia em dinheiro, admite-se livremente a execução provisória.

REFERÊNCIAS.
A Fazenda Pública em Juízo. Leonardo José Carneiro Cunha – 8ª edição.
Curso de Direito Processual Civil. Fredie Didier Júnior. Vol. I. 11ª edição.

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