Os efeitos jurídicos decorrentes da interpretação da norma.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL – NATUREZA JURÍDICA – PRAZO PRESCRICIONAL – INÍCIO.

O estelionato contra a previdência social está previsto no Artigo 171, § 3º, do Código Penal, assim redigido:

“Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:
...
§ 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência”.
Questão que pode gerar dúvida é acerca do momento consumativo do crime, o que gera efeitos na prescrição da pretensão punitiva estatal. Isso porque, normalmente, o crime de estelionato é de crime instantâneo, consumando-se com a obtenção da vantagem ilícita, e contando-se a partir daí o prazo prescricional.

Todavia, quando o estelionato é cometido contra a previdência social, o estelionatário, na maioria das vezes, objetiva o recebimento do benefício de forma continuada (como uma aposentadoria, por exemplo). Isso significa que o órgão previdenciário é induzido a erro mensalmente, e também mensalmente o criminoso recebe a vantagem ilícita (o benefício previdenciário).

Aí é que surge a dúvida: o estelionato contra a previdência social é crime instantâneo? É instantâneo de efeitos permanentes? Ou é crime permanente?

Nos dois primeiros casos o prazo prescricional começa a contar com a consumação, que ocorre com a obtenção do primeiro benefício. Assim, no momento em que o beneficiário recebe o primeiro benefício o crime se consuma, iniciando também o prazo para a persecução penal. Passado o prazo prescricional sem atuação repressiva estatal, haverá a extinção da punibilidade, e o criminoso não mais poderá ser responsabilizado pelo crime.

Já na terceira hipótese – considerando-se o crime como de natureza permanente – a consumação se protrai no tempo. Isso significa que, como o ente previdenciário é induzido a erro mensalmente, não há um único momento consumativo, mas vários. É uma consumação que não possui um único momento, mas que se prolonga enquanto a pessoa recebe o benefício em prejuízo da previdência. Verificando-o como crime permanente, o prazo prescricional não tem início enquanto não cessar a permanência, ou seja, impede que haja extinção da punibilidade enquanto estiver sendo obtido o benefício.

O Supremo Tribunal Federal, em 24/04/2010, no julgamento do Habeas Corpus nº 99112 / AM – 1ª Turma, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, tratou do tema e decidiu, ao que parece, de forma mais acertada.

De fato, o Supremo Tribunal Federal tem distinguindo duas situações:

1º) Quando a fraude é perpetrada por um terceiro, o crime é instantâneo de efeitos permanentes. Assim, por exemplo, se um Advogado, ao representar um cliente humilde, que não tem conhecimento algum dos requisitos para obtenção do benefício, induzir a previdência a erro, para que o seu cliente obtenha o benefício a que não fazia jus, trata-se de crime instantâneo de efeitos permanente, consumando-se com a obtenção do primeiro benefício, e contando daí o prazo de prescrição para instauração da ação penal contra o advogado. Se o seu cliente não influiu para a fraude, não poderá ser punido.

2º) Uma segunda hipótese é a de quando o próprio beneficiário implementa a fraude, isto é, quando a prática delituosa parte do beneficiário da previdência. Considerada como relação jurídica continuada (mês a mês há o recebimento do benefício), o crime é permanente, renovando-se ante a periodicidade do benefício. A consumação, aqui, não ocorre apenas com o recebimento do primeiro benefício, mas se prolonga durante todos os meses em que o beneficiário induz o órgão a erro, impedindo que a prescrição tenha início antes de cessada a permanência. Como exemplo, se a própria pessoa que pretende se aposentar apresentar documento falso que a faz preencher os requisitos para a aposentadoria, o estelionato será permanente, possibilitando a responsabilização da pessoa enquanto ela estiver recebendo a aposentadoria, mesmo que passado vários anos.

Concluindo, o Supremo, acertadamente, vem diferenciando a situação do crime praticado pelo terceiro (instantâneo de efeitos permanentes) do crime praticado pelo próprio beneficiário (crime permanente).

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